Memórias de infância



por Eliane Araújo

Ah, meu tempo de menina... Falar dele é o mesmo que rememorar a história de quatro pessoas que em tudo e desde cedo, aprenderam a importância de compartilhar felicidades, tristezas e responsabilidades:  minha família! Meu pai, minha mãe, meu irmão e eu. Unidos em tudo e acima disso, cúmplices em nossa existência. Meus pais, sempre trabalharam fora (até hoje) e eu tinha a incumbência de cuidar do meu irmão! Estudávamos sempre no mesmo turno escolar, brincávamos juntos, dentro de casa ou no quintal, pois brincar na rua era algo muito esporádico. Em alguns domingos passeávamos no Jardim (porto da Cachoeira) em companhia dos nossos pais. Ver televisão e ler era a nossa diversão. Nem sempre tínhamos dinheiro para viagens e programas que demandassem muito investimento financeiro. Mas todas as noites quando não íamos à igreja, sentávamos em família para compartilhar o nosso dia e ouvir as engraçadas histórias da infância dos meus pais e suas peripécias!  Até hoje me lembro dos relatos de meu pai sobre quando o circo chegava na cidade. Geralmente, circos pobres e sem muita infraestrutura, se instalavam com seus leões magros, que se alimentavam com os gatos da vizinhança, que eram obtidos por troca de ingressos. Palhaços sem muita graça, mas, que mexiam com o imaginário das crianças e, para além destes, toda a composição daquele lúdico acontecimento: as músicas, pipocas, correria e muita agitação.
Eu? Nunca fui num circo, mas imagino como seja, pois, meu pai contava com tanta veracidade que parecia estar passando um filme em minha frente. Essas histórias sempre vinham acompanhadas de caricaturas feitas por meu pai e que davam um tom de existência ao personagem, musiquinhas, nomes de pessoas e muita, muita alegria ao serem contadas. Posso afirmar: meu pai é um exímio contador de histórias. Minha mãe também aproveitava o momento e disparava a contar sobre a sua infância vivida na Rua Julião Gomes – lugar em que fora criada logo depois do falecimento de sua mãe, quando tinha apenas nove anos de idade. Ela e seus irmãos, mesmo trazendo marcas de uma perda tão difícil, logo na tenra idade, aproveitavam sua infância na fábrica de ladrilhos de seu tio “Manoel do ladrilho”. Corriam por entre os maquinários, subiam na areia da barra, que era a base para a fabricação do ladrilho, tomavam banho de mangueira, e quando chegavam às férias (vale ressaltar que esse é o ponto que minha mãe suspira ao falar) iam para a roça de Sr. Leonídio, em Conceição da Feira. Lá, em meio aos cavalos, vacas e galinhas brincavam até não aguentarem mais – e olha que acordavam bem cedinho para ir à casa de farinha, que se tornava o momento mais divertido das férias! Os nossos olhos neste momento já brilhavam de ver tanta alegria nas histórias contadas por eles. Mas, quando minha mãe contava das noites na roça e de todo o esplendor da lua e estrelas, eu que era menina e tão sonhadora, deixava-me flutuar, chegando ao ponto de sentir como se tivesse vivido também naquela narrativa. Hoje carrego em mim, dentre tantas, essas lembranças, pois vejo que mesmo com tantas limitações de tempo e dinheiro impostas pelos tempos atuais em que vivemos, meus pais conseguiram de algum modo, se dedicarem a mim e ao meu irmão, nos proporcionando momentos de muito amor e aprendizado. Eram noites realmente deliciosas de muitos sorrisos e lições de vida que trarei em minhas mais ternas memórias.



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Eliane Araújo é licenciada em Letras Vernáculas, graduanda em Museologia pela UFRB, pós-graduanda em Especialização em Gestão do Trabalho Pedagógico com ênfase em Coordenação Pedagógica e orientação Educacional no IAENE. Atua na área da Sociomuseologia e Educação na Casa de Barro.

Um comentário:

  1. Que demonstração sensível acerca da permanência e poder da memória... desta que não é só nossa, mas também é do outro, que nos transmite e faz com que seja nossa também.
    Como é possível viver coisas novas através do simples - porém muito grandioso - partilhar de memórias...
    Tenho certeza que sua infância foi muito rica, regada a ocasiões tão sensíveis quanto a que você narrou e sua família foi realmente grande responsável pela pessoa brilhante que você é hoje.
    Meus parabéns!

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